Tudo começou em uma noite de verão, no final da década
de 40,
quando um jovem, cearence, moreno, montado em seu cavalo,
chegou em uma festa de casamento, lá no sertão do Ceará.
Os caminhos que ele cavalgava, eram iluminados pela luz do Luar.
O Luar do sertão, que também iluminava uma jovem mulher, que
se arrumava para ir na mesma festa, uma jovem de pele muito clara e olhos
infinitamente azuis.
Encontraram-se pela primeira vez nesta festa, e no primeiro olhar,
apaixonaram-se. Conversaram sobre suas famílias, e descobriram que eram primos
legítimos. Dançaram durante toda a noite, e se despediram com uma promessa. Estavam
felizes por terem se encontrado,
mas existia uma pontinha de tristeza em seus corações, pelo fato do
jovem moreno estar de viagem marcada, sem nenhuma previsão de quando voltaria.
Que peça o destino lhe pregara! Justamente agora, que encontrara o
seu grande amor. Naquela despedida, ele prometeu à ela que um dia voltaria, e
que casaria-se com ela. Ele a fez prometer que o esperaria.
E ela prometeu... e esperou... esperou por muito tempo. O seu
coração dizia que tinha que esperar... que tinha que acreditar! Que tinha que
confiar nas palavras daquele jovem moreno, apaixonado por ela.
Ela acreditou, e durante esse tempo de espera, ela descartou todos
os pretendentes que apareceram, inclusive um grande fazendeiro que se encantara
por ela. Era rico e poderoso, mas não conquistou seu coração.
Por quê seu coração já tinha dono, seu coração já pertencia ao
jovem moreno, que prometeu a ela que um dia voltaria.
O tempo passou e ela não se esquecera dele. Nove anos depois
daquele encontro, o jovem voltou. Percorreu meio mundo, mas voltou para
casar-se com aquela jovem que ficara esperando por ele. Ele voltou por que não
conseguiu mais esquecer aqueles olhos, infinitamente azuis, pelo
qual se apaixonara.
Alguns dias depois, casaram-se, lá mesmo, em uma capela, no
interior do sertão. Um casamento com uma grande festa, como todas as festas
daquela época, uma festa que durou dois dias e duas noites, com muito
forró, sanfoneiro vindo de longe, pra tocar na festa, com muita churrascada,
xote e "arrasta pé".
Após o casamento, viajaram para o Amazonas. Passaram por Manaus
rapidamente e seguiram para a Bolívia. Durante o tempo que passaram lá, nasceu
seu primeiro filho, que veio a falecer com 1 mês de idade. Então eles mudaram-se
para o estado do Acre, trabalhando como seringalista,
morando no meio da mata, correndo todos os riscos, principalmente
nas madrugadas, quando as onças cercavam
seu casebre de madeira, sem porta, e sua jovem esposa ficava apavorada com o
barulho que as onças faziam, à procura de alimento.
Mas foi lá, no meio do seringal, que ele ganhou algum dinheiro,
enquanto vendia a borracha colhida. Para ele, valia correr riscos,
pois sabia que ao final do dia, sua amada o esperava em casa, cheia de
saudades.
Viveram durante 3 anos, em uma comunidade de seringalistas, que se
ajudavam-se mutuamente. Naquela época nasceram seus dois primeiros filhos, primeiro
uma menina, deram-lhe o nome de Liduína, dois anos depois, nasceu seu segundo
filho, deram-lhe o nome de Francisco.
Era início dos anos 60, quando eles resolveram sair de lá, e vir
morar em Manaus. Logo perceberam que a vida em Manaus seria melhor,
principalmente para a criação dos filhos.
Chegando em Manaus, ele comprou uma casa avarandada, e um pequeno box
no mercado, e tornou-se comerciante. Ele era analfabeto, fugira cedo da escola,
mas sabia fazer conta melhor do que muitos. Ele não
tinha estudos, mais era dotado de vastos conhecimentos, uma sabedoria
adquirida na escola da vida.
Foi em Manaus que nasceu sua terceira filha, ela queria dar-lhe o nome
de Lisiê, pois ficaria parecido com o nome da primeira filha, que se chamava
Liduína. Ele queria que ela se chamasse Francisca, para acompanhar o nome do irmão,
que era Francisco.
Como eles resolviam tudo de forma simples, sem brigas, combinaram
assim: Ela será registrada como Francisca, e seu apelido será Lisiê.
Depois tiveram mais um filho, e deram-lhe o nome de José.
em seguida, mais duas meninas: Lisiene e Liseneide.
As lembranças mais antigas que eu tenho do meu pai, vem da época em
que eu tinha uns 2/3 anos de idade. Meu pai, tinha uma forma única de
criar os filhos. Um pai severo, o que ele falava era lei, para nós.
Meu pai partiu aos 63 anos, em uma noite de São João, quando o céu
estava todo iluminado. Isto foi há 20 anos atrás, mas até hoje eu sinto
saudades.
Ele nos criou de uma forma muito rigorosa, não era dado a
carinhos, ele nos amava do jeito dele.
Nos amava através dos cuidados, nos ensinando os valores da
vida.
sua preocupação era constante em não deixar faltar nada.
Nos amava através dos elogios que nos elevava, e nos tornava
confiantes.
Nos amava ao transmitir seus exemplos de força, fé e coragem em
acreditar na vida, em lutar, em ser honesto e respeitar o direito dos outros.
Ele queria que tivéssemos força e
coragem para trabalhar e não se deixar abater pelos problemas.
Era assim que o meu pai nos amava, através de sua presença constante,
em todas as fases de nossas
vidas. Um pai sempre presente. Ele gostava de nos levar para passear na sua
camionete, nas tardes de domingo.
Ou para tomarmos banho de rio, nas tardes quentes de sábado, nos
idos anos 70.
Através de muito trabalho, meu pai, mesmo sendo analfabeto, conseguiu
prosperar na vida.
Nos nossos natais, nunca nos faltou um presentinho, que ele fazia
questão que fosse surpresa.
Meu pai gostava de músicas sertanejas. Aos domingos, ele colocava
na vitrola, os LP's do Luiz Gonzaga, para tocar o dia todo. Era o jeito dele de
mostrar que estava alegre. Gostava também das músicas de Altemar Dutra, ou do Aguinaldo Timóteo.
Lembro de um dos natais da minha infância, em que
ele presenteou cada filho com um instrumento musical. Eram violões,
cavaquinhos, órgãos, sanfonas e até pandeiro. Ele queria que soubéssemos tocar
algum instrumento musical. Isto não aconteceu, mas valeu a tentativa, pai!
Como isto não aconteceu, no natal seguinte, cada um ganhou uma bicicleta.
Aí a farra foi geral.
Ele sabia como colocar um sorriso nos nossos rostos e e uma porção
de felicidade nos nossos corações.
Ele me ensinou a ser otimista, e ver sempre o lado bom de todos os
acontecimentos. Já nos seus últimos anos de vida, meu pai já não era tão
rigoroso, estava ficando velho, seu coração estava ficando doce.
Ele gostava de me chamar para conversar com ele, dizia que eu sabia
entendê-lo.
Esse é um pedacinho da história dos meus pais, uma história que
está gravada nas minhas lembranças, desde o tempo em que meu pai chegava em
casa, no final do dia e gostava de sentar-se conosco na varanda,
e contar suas histórias, que por sinal, deixavam minha mãe muito
feliz.
Meu pai, onde você estiver, receba o meu amor, o meu carinho e a
minha admiração por você.
Eu te amo, meu pai.
Lisiê. (Francisca)